PRESENÇA FELINA

Felinos são desconfiados
Precavidos.
Mentêm um perímetro no qual se atentam
A tudo que ocorre.

Que satisfação então chegar em casa
Escancarando a porta do quarto a golpe
A fim de causar alguma surpresa...

...E encontrá-la deitada na cama
Mergulhada em si mesma
Durante a sesta da tarde
E assim permanecer...

Não, não é indiferença.

Ela sabe quem sou.
Já me sabia bem antes de abrir a porta.

ARVORECER

Tivesse eu a coragem de virar as costas para esse mundo...
Primitivo e ignorante deitaria entre o mato alto
Braços abertos como quem abraça, come e recebe a terra.
Depois, muito tempo depois, fazendo já parte da natureza
Passaria a conversar com o vento, a chuva e as estações.
E que felicidade seria dar sombra às leoas
E nome a cada pardal que viesse
Pousar em mim.

TUTANO

Nunca quebrei sequer um dedo.
Meu corpo incólume, imaculado
Denuncia uma vida preguiçosa
Moderada pelo medo e a covardia.

Mentira!

Dêem-me, então, uma surra
Um tiro. Atropelem-me!
Qualquer coisa, por favor
Que justifique esta dor
À máquina de ressonância magnética!

Vivo num constante acidente...
Sou o acidente.
Um lindo emaranhado ambulante
De cicatrizes.

Observe, se isso lhe aprouver:

       A emoção permeia, liquefazendo-se
       Entre ossos, vísceras e órgãos.
       Percorre todo o corpo
       Até sair
       Filtrada e concentrada
       Na lágrima que brota
       Como fratura exposta.