Olho para a margem, certificando-me que ninguém esteja vendo.
O pescador foi embora.
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Graças a deus o peixe mordiscou. Não fosse isso eu teria sido tragado pelo lago. Não fosse isso eu teria caído no completo esquecimento... Nao foi fisgado, é verdade, mas suas mordiscadinhas foram suficientes pra me salvar. Por quanto tempo fiquei por lá, com os olhos presos na água? Um minuto? Duas horas? Toda a manhã? Não sei. Só sei que já não poderia ter voltado se algo não viesse intervir para nos apartar - que fosse o zunido de uma abelha, ou uma folha desprendida pra tocar meu nariz, ou um peixe que fizesse minha vara palpitar, muito levemente, enquanto come toda a minha isca. Não tem problema, tenho mais salsichas. Salsicha é o segredo, nunca falhou. Alguém está remando para o centro do lago, tão lentamente quanto se estivesse com medo de arranhar a água. Existe um sentimento de renovação em todas as vezes que arremesso a isca. Talvez todo o prazer da pesca consista nisto: jogar a isca. Na falta prolongada de ação, recolho-a, e mesmo que intacta, troco-a por outra, e me preparo para arremessa-lá no mesmo local, como se tivesse acabado de chegar. E é nessa hora que toda a natureza ao redor fica em suspenso, calada, para que eu possa me deliciar com o som da linha se desenrolando do molinete, enquanto a isca deixa no ar o seu arco infinito e perfeito, como um rastro de uma estrela cadente, que já mergulhou, há tempos, com suave borbulho. E então, aos poucos, os insetos, os pássaros e as rãs, e os ventos entrecruzados, vão retomando suas conversas, mas baixinho, que é pra não espantar os peixes... É uma mulher? Quando foi que o coração deixou de reagir ao tranco de um bom pirarucu? Hoje, nem sequer o menor frêmito, nem sequer a menor palpitação. Parece que os peixes também estão resistindo menos. Talvez sintam, pelo cordão que nos conecta, esta minha incerteza, e se deixam levar. Por favor, fiquem longe da minha isca. Lembro muito bem do primeiro peixão que peguei... Sim, há os que contam como primeiros, e só os primeiros é que contam, eu lembro... Sim, é uma mulher. Eles pensam que eu gosto da solidão. É porque eu deixo que eles fiquem pensando. Veja como o lago se enruga sem aviso, como os círculos d'água se dissipam... Lá ia eu, novamente, a me prender com os olhos fixos na água... Através da água...
Peguei um pintado.
Este fim de semana, talvez, um dos pequenos vem visitar.
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Venham a mim, doces almas frágeis, encontrar em meu leito o conforto para os seus corpos cansados. Pois é verão. Fechem os olhos e deixem que eu os conduza, tranquilamente, ao lugar reservado que escolhi para lhes apresentar o meu íntimo. Venham, em silêncio, em segredo, beijar a minha boca, sorver do meu corpo tudo o que seja fluído. Venha, mulher, não poupe o fôlego. Beba-me bastante, até que seja o bastante. Depois da embriaguez, o sono, e o mundo que você quiser. E então fique, para dormirmos juntos, você, a noite, o inverno e eu, abraçados, no mais absoluto silêncio, sob uma manta de névoa e vagalumes. Homem velho, de olhos anuviados, por quê tanto me olha, se nao me deseja? É da minha vulva que tira o peixe que irá comer. Tem um pontinho escuro parado no céu... Não, está se movendo devagar, muito devagar. Vai se chocar com a nuvem...
...Ressurgiu. É um avião.
Mulher, eu também te amo, e agora seus cabelos são algas dançantes.
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