segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

DOIS PEIXES NO COPO D'ÁGUA

Chego em casa evitando olhar diretamente na direção onde algo se mexe. Está vivo.
Faço minhas coisas até chegar a hora de alimentá-lo. Faço-o, sem olhá-lo, apesar de o vidro e a água serem transparentes...
Amanhã, digo-me, amanhã compro o aquário, enquanto alguns grãos são abocanhados e outros afundam com leveza e pesar, como areia na ampulheta...

Difícil saber se um peixe está contente. Não são como os cachorros que simplesmente abanam o rabo... 

Talvez esteja contente...

Pois, faz alguns dias, talvez meses, talvez anos, que o trouxe comigo num saco plástico, e, não tendo em casa um aquário ou coisa que o valha, pus ele dentro do copo, somente até o dia seguinte, onde lhe compraria o aquário... O aquário!

A ideia era legítima e sincera, comovia-me, deixava-me contente, ansioso pela chegada do amanhã, onde lhe compraria o aquário... Sim, o aquário!

Amanhã serás feliz. Apenas aguarde. Terás uma bela de uma surpresa, amigo! Ah, um belo de um... aquário...

Muitos amanhãs vieram e jamais comprei merda de aquário nenhum. Deixando sempre pra última hora ou me esquecendo. Ou por preguiça. Ou por não ter dinheiro. Ou... por um motivo que eu não saberia descrever... Ou talvez saiba mas não queira... Sim, não queira. Não quero:

Não compro o aquário porque não quero.

Se sinto pena? Claro que sinto. Muita pena. Dói-me vê-lo assim... dando voltas em torno de si... Imagino sua felicidade ao poder esticar as barbatanas, ao dar disparadas e cabriolas de um lado a outro em um aquário olímpico...

Vergonha? Sim, claro, tenho vergonha, muita vergonha... Vergonha pelas vezes que cheguei em casa querendo encontrá-lo boiando de barriga pra cima... E, assim, livrá-lo da sua prisão, e eu...
Mau? Eu? Eu não sou mau... Veja como meus olhos se enchem d'água ao imaginar a cena em que dou-lhe cabo ao som da descarga...

Não choro por nada que não seja este peixe. E já fazem anos, como eu disse... Anos que ele, o meu choro, resiste... ao peixe...

Amanhã: Luzes, algas, conchas...

Amanhã: Pedras coloridas, bolhas, mergulhador...

Amanhã: Baú que abre e fecha com uma pérola dentro... 

Amanhã: Surpresa! Outra pérola. E depois outra pérola, e depois a mesma pérola e quem sabe outro peixinho para fazer-lhe companhia, ou, melhor: o lago, o rio, a praia, o mar, o oceano inteiro, onde quiseres ir...

Agora, sério: vou apagar as luzes. Vamos dormir. Que assim o amanhã não tarda.

Amanhã trarei-lhe um aquário.

domingo, 8 de janeiro de 2023

ENTREMEIO

Entre pernas, um cão. Com o rabo pedinte procurava algo no rosto das pessoas, sem achar.
Um estalo de dedos fê-lo vir a mim. Ofereci-lhe a mão, ele a cabeça. Depois olhou-me muito nos olhos (ou fui eu quem olhou muito os dele) e foi embora... 
Não, eu fui embora. Meu ônibus havia chegado.

Ah, sim, era cadela. Soube enquanto subia os degraus... Enquanto... o que poderia ter ela sabido sobre mim antes da barricada de gente nos dividir e das portas se fecharem?

Não sei dizer ao certo o que se deu. Ou o que se perdeu. Houve troca, isso eu sei, e é capaz que nenhum de nós tenha saído ganhando...

Antes que o ônibus virasse a esquina, procurei ainda, entre uma brecha de cabeças, avistar minha amiga pela última vez... Não achei.

Entre aperto e solavancos eu me segurava pra não cair. Segurava firme, embora a mão direita ainda sentida acariciasse o pelo curto, negro, liso, com muita suavidade... Muita suavidade...

Entre aperto e solavancos.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

ÓCULOS PRA LONGE

Minha vista já não é mais a mesma.
Vez ou outra me pego apertando os olhos...

Devo me render aos óculos?

Mas se o esforço maior é de enxergar quem eu era...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023