Minha alma soa metálica
Quando mudo meu trajeto de volta pra casa
Pra passar por uma rua
Onde se costuma ouvir
De uma das janelas altas
O saxofone.
Não posso ver quem está tocando
Tampouco posso conceber sua figura
Está além da minha imaginação
Seu sexo, sua idade, sua cor dos olhos
Seus sinais de pele, seus cabelos
Seus nós dos dedos articulando...
Não. Não existe mais saxofonista.
Todo o mistério por trás dos mecanismos de um saxofone
Se desvanece em meus ouvidos
Para irromper em meus pulmões.
Se olho pro alto, é procurando sorver
A parte mais macia e metálica do ar.
Sou eu quem usa o diafragma
Sou eu, melódico e ambulante
Sou eu, frio e banhado em reflexos
Sou eu, prestes a espiar pela janela
Enquanto tomo fôlego
Para mais uma nota prolongada...
Duro até virar a esquina.
O burburinho num crescendo
Os sons do tráfego entrando
Traqueia... laringe... faringe... e
Alma
Minha pobre alma a assoviar
Distraidamente
Uma melodia incerta
Modificada
Outra -
Talvez eu já seja outro
Com o anterior a passar ao pé de mim
Procurando me enxergar por uma janela alta...
Ao chegar em casa esqueço de tudo e vou dormir.
Durmo com a janela um pouco aberta
O suficiente para que a cortina fique balançando
Roçando em minhas costas...
Lá fora, sob a proteção escura da noite
As copas das árvores todas se agitam
Repletas de... formidáveis pássaros. Invisíveis.
Porque sopro.
Vento.
Sonho.