Minha voz é ancorada.
Estou dentro de uma névoa densa
Maciça
De onde um simples aceno de mão exige tempo
E esforço.
Fora da névoa tudo corre bem.
As pessoas andam, comem e dormem
Com fluência.
Parecem ligadas umas nas outras
Por uma corrente, um fio, um rio.
Um rio?
Minha respiração é estreita
Minha vista, nublada.
Enxergo através de um véu sujo
Viscoso
Que faz as formas perderem o contorno
E as pessoas se fundirem nos objetos
Em breves manchas vultuosas.
Que horas são
Sempre me pergunto.
Então olho pro relógio
E percebo que estou no mesmo minuto.
E percebo que
Estou no mesmo minuto.
Esta névoa, às vezes, parece fazer-se demasiadamente úmida
Oleosa.
Não sei se afundo ou se boio
Em todo caso, deixo-me levar.
Porque a névoa me conduz
Enquanto transito nela.
Não sei aonde ela me leva
Mas sei aonde estou indo.
Escuto vozes distantes
Amortecidas, amordaçadas.
Pessoas falam comigo
E suas palavras, no meio do caminho
Estinguem-se, disformes
Sem significado.
Quando me encontram
Já são fumaça, viram névoa.
"Você sabe onde está a planta?"
Isabel pergunta.
Mas me demoro a responder.
"Você sabe onde está a lâmpada?"
Ela pergunta, de novo.
E, sem resposta, vai embora, sem paciência.
Mas eu a havia respondido
De alguma maneira, sei que havia...
Estou dentro de uma névoa
Escura, cálida
Que me envolve
Como uma membrana, uma placenta.
Anseio por algo
Um rompimento
Um recomeço...
E, então, ocorre
De uma hora para outra
Indolor
Como uma coisa muito simples de ser resolvida
De eu sair da névoa
E sentir-me... assim, algo expelido...
A clareza sobre as coisas é tamanha
Que a névoa, então, já é parte do passado
De um passado longínquo
De um passado que eu não participo
De um passado que eu não lembro
De um passado que eu duvido sequer ter existido...
Bom dia. Como vai?
Ouso dizer em voz alta
Para que eu seja escutado
E retribuído...
E o que eu ouço é tão claro
Cristalino
Quanto decepcionante...
bom dia bom dia bom dia bom dia
Algo não está certo
Algo não se encaixa...
Me pego olhando pra trás
Pra um lado, pro outro... procurando...
Sinto falta.
Ouso dizer que é saudade...
Saudade?
É, é saudade.
Mas do que? De quem?
Sorrio, enfim.
Mas só eu sei do que se trata este sorriso.
É claro!
Aliás, veja como meus dentes estão sujos
Corroídos, podres...
Mas ainda assim é um sorriso.
Não há óleo, nem lama, nem fumaça.
A névoa sou eu.
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