quarta-feira, 25 de setembro de 2024

LUANDA

Para a felicidade dos presentes
Ao nascer, Luanda chorou.
E seu choro se deslocou pelo ar
Percorrendo a sala do parto
Até conseguir se infiltrar pelos corredores do hospital
E escapar.

Luanda cresceu.
Chorou outras muitas vezes
Deu bastante gargalhada também.
Pronunciou poucos nomes (incluindo o meu).
Bocejou
Acenou rapidamente alguns adeuses
E depois de assoprar oitenta e sete velas
Soltou um suspiro de resignação.

Por favor, não culpem Luanda.
(As cortinas continuariam balançando)
Ela não sabia
Quem poderia saber
Que um tornado devastador
Seria causado por ela?

sábado, 21 de setembro de 2024

DO ANCORADOURO

Daqui - do ancoradouro - vejo e percebo:
O mar manifesta minha ânsia em ondas.
Sim, aquela onda só existe por minha causa
Nasceu com uma ideia acanhada
Embalou-se por alguma vontade incerta 
Até ganhar força, enrolar-se, desenrolar-se
Tornar-se, irrevogavelmente, onda.

E eu, o que me tornei? Nada.
Irrevogavelmente nada.
As ondas só existem pelo o que não sou
E se eu deixasse de olhar o mar
Ele seria algo parecido com um rio.

Tudo bem.
Morro espraiado
Realizado aos pés de uma criança.
Explodo na pedra do cais
De uma alegria incapaz de se conter.

Lá vem mais uma...
Mais uma onda...
Graças a Deus
Ondas... Projetos... Protótipos...
Graças a deus?
Não, graças a mim.
Graças a minha mania de lavar as mãos 
Não há areia por entre os dedos a escorrer.

E olha lá o surfista... praguejando
Boiando sobre a prancha... Esperando...
Esperando...
Que dó, nem imagina...
Tá, toma, vai. Surfa aí 
E não me enche o saco.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

RAIO X

Sem qualquer aviso ou pudor
Ela me envia pelo whatsapp 
Uma foto do raio x do seu tronco 
De um exame que acabara de fazer.

Eu, que mal a tinha visto em trajes de banho
Recebi a foto como quem recebe um nude
E enrubesci ao ver sua pélvis escancarada.

Pequenas sombras, grandes dúvidas.

O leigo vê o que ele enxerga
E eu vi fragilidade e força.
Não vi ossos e órgãos
Vi você aberta, delimitada
Pelo seu habitual contorno.

Com sua permissão, ou não, entrei
Quero explorá-la
Quero implorá-la para que me deixe ficar
Ao menos com uma cópia da chapa.

Na parede, você exposta ao avesso
Eu percebo, e temo:
Não são costelas, é uma gaiola
Com uma bomba dentro.